BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação
Fundamental. Referenciais Curriculares para a educação infantil. Brasília:
MEC/SEF, 1998. V. 3, p. 141-145.
ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS
Práticas de leitura para as crianças têm um grande valor em si mesmas, não
sendo sempre necessárias atividades subseqüentes, como o desenho dos
personagens, a resposta de perguntas sobre a leitura, dramatização das
histórias etc. Tais atividades só devem se realizar quando fizerem sentido e
como parte de um projeto mais amplo. Caso contrário, pode-se oferecer uma
ideia distorcida do que é ler.
A criança que ainda não sabe ler convencionalmente pode fazê-lo por meio da
escuta da leitura do professor, ainda que não possa decifrar todas e cada uma
das palavras. Ouvir um texto já é uma forma de leitura.
É de grande importância o acesso, por meio da leitura pelo professor, a
diversos tipos de materiais escritos, uma vez que isso possibilita às crianças o
contato com práticas culturais mediadas pela escrita. Comunicar práticas de
leitura permite colocar as crianças no papel de “leitoras”, que podem relacionar
a linguagem com os textos, os gêneros e os portadores sobre os quais eles se
apresentam: livros, bilhetes, revistas, cartas, jornais etc.
As poesias, parlendas, trava-línguas, os jogos de palavras, memorizados e
repetidos, possibilitam às crianças atentarem não só aos conteúdos, mas
também à forma, aos aspectos sonoros da linguagem, como ritmo e rimas,
além das questões culturais e afetivas envolvidas.
Quando o professor realiza com freqüência leituras de um mesmo gênero está
propiciando às crianças oportunidades para que conheçam as características
próprias de cada gênero, isto é, identificar se o texto lido é, por exemplo, uma
história, um anúncio etc.
São inúmeras as estratégias das quais o professor pode lançar mão para
enriquecer as atividades de leitura, como comentar previamente o assunto do
qual trata o texto; fazer com que as crianças levantem hipóteses sobre o tema
a partir do título; oferecer informações que situem a leitura; criar um certo
suspense, quando for o caso; lembrar de outros textos conhecidos a partir do
texto lido; favorecer a conversa entre as crianças para que possam
compartilhar o efeito que a leitura produziu, trocar opiniões e comentários etc.
O professor, além de ler para as crianças, pode organizar as seguintes
situações de leitura para que elas próprias leiam:
• situações em que as crianças estabelecem uma relação entre o que é falado
e o que está escrito (embora ainda não saibam ler convencionalmente). Nessas
atividades de “leitura”, as crianças devem saber o texto de cor e tentar localizar
onde estão escritas determinadas palavras. Para isso, as crianças precisam
buscar todos os indicadores disponíveis no texto escrito. Não é qualquer texto
que garante que o esforço de atribuir significado às partes escritas coloque
problemas que ajudem a criança a refletir e a aprender. Nesse caso, os textos
mais adequados são as quadrinhas, parlendas e canções porque focalizam a
sonoridade da linguagem (ritmos, rimas, repetições etc.), permitindo localizar o
que o texto diz em cada linha;
• situações em que as crianças precisam descobrir o sentido do texto apoiando-
se nos mais diversos elementos, como nas figuras que o acompanham, na
diagramação, em seus conhecimentos prévios sobre o assunto, no
conhecimento que têm sobre algumas características próprias do gênero etc.
Nesses casos, os textos mais adequados são as embalagens comerciais, os
folhetos de propaganda, as histórias em quadrinhos e demais portadores que
possibilitam às crianças deduzir o sentido a partir do conteúdo, da imagem ou
foto, do conhecimento da marca ou do logotipo.
Os textos de histórias já conhecidos possibilitam atividades de buscar “onde
está escrito tal coisa”. As crianças, levando em conta algumas pistas contidas
no texto escrito, podem localizar uma palavra ou um trecho que até o momento
não sabem como se escreve convencionalmente. Podem procurar no livro a
fala de alguma personagem. Para isso, devem recordar a história para situar o
momento no qual a personagem fala e consultar o texto, procurando indícios
que permitam localizar a palavra ou trecho procurado.
A leitura de histórias é um momento em que a criança pode conhecer a forma
de viver, pensar, agir e o universo de valores, costumes e comportamentos de
outras culturas situadas em outros tempos e lugares que não o seu.
A partir daí ela pode estabelecer relações com a sua forma de pensar e o modo
de ser do grupo social ao qual pertence. As instituições de educação infantil
podem resgatar o repertório de histórias que as crianças ouvem em casa e nos
ambientes que freqüentam, uma vez que essas histórias se constituem em rica
fonte de informação sobre as diversas formas culturais de lidar com as
emoções e com as questões éticas, contribuindo na construção da
subjetividade e da sensibilidade das crianças.
Ter acesso à boa literatura é dispor de uma informação cultural que alimenta a
imaginação e desperta o prazer pela leitura. A intenção de fazer com que as
crianças, desde cedo, apreciem o momento de sentar para ouvir histórias exige
que o professor, como leitor, preocupe-se em lê-la com interesse, criando um
ambiente agradável e convidativo à escuta atenta, mobilizando a expectativa
das crianças, permitindo que elas olhem o texto e as ilustrações enquanto a
história é lida.
Quem convive com crianças sabe o quanto elas gostam de escutar a mesma
história várias vezes, pelo prazer de reconhecê-la, de apreendê-la em seus
detalhes, de cobrar a mesma seqüência e de antecipar as emoções que teve
da primeira vez. Isso evidencia que a criança que escuta muitas histórias pode
construir um saber sobre a linguagem escrita.
Sabe que na escrita as coisas permanecem, que se pode voltar a elas e
encontrá-las tal qual estavam da primeira vez.
Muitas vezes a leitura do professor tem a participação das crianças,
principalmente naqueles elementos da história que se repetem (estribilhos,
discursos diretos, alguns episódios etc.) e que por isso são facilmente
memorizados por elas, que aguardam com expectativa a hora de adiantar-se à
leitura do professor, dizendo determinadas partes da história. Diferenciam
também a leitura de uma história do relato oral. No primeiro caso, a criança
espera que o leitor leia literalmente o que o texto diz.
Recontar histórias é outra atividade que pode ser desenvolvida pelas crianças.
Elas podem contar histórias conhecidas com a ajuda do professor,
reconstruindo o texto original à sua maneira. Para isso podem apoiar-se nas
ilustrações e na versão lida. Nessas condições, cabe ao professor promover
situações para que as crianças compreendam as relações entre o que se fala,
o texto escrito e a imagem. O professor lê a história, as crianças escutam,
observam as gravuras e, frequentemente, depois de algumas leituras, já
conseguem recontar a história, utilizando algumas expressões e palavras
ouvidas na voz do professor. Nesse sentido, é importante ler as histórias tal
qual estão escritas, imprimindo ritmo à narrativa e dando à criança a ideia de
que ler significa atribuir significado ao texto e compreendê-lo.
Para favorecer as práticas de leitura, algumas condições são consideradas
essenciais.
São elas:
• dispor de um acervo em sala com livros e outros materiais, como histórias em
quadrinhos, revistas, enciclopédias, jornais etc., classificados e organizados
com a ajuda das crianças;
• organizar momentos de leitura livre nos quais o professor também leia para si.
Para as crianças é fundamental ter o professor como um bom modelo. O
professor que lê histórias, que tem boa e prazerosa relação com a leitura e
gosta verdadeiramente de ler, tem um papel fundamental: o de modelo para as
crianças;
• possibilitar às crianças a escolha de suas leituras e o contato com os livros,
de forma a que possam manuseá-los, por exemplo, nos momentos de
atividades diversificadas;
• possibilitar regularmente às crianças o empréstimo de livros para levarem
para casa. Bons textos podem ter o poder de provocar momentos de leitura em
casa, junto com os familiares.
Uma prática constante de leitura deve considerar a qualidade literária dos
textos. A oferta de textos supostamente mais fáceis e curtos, para crianças
pequenas, pode resultar em um empobrecimento de possibilidades de acesso
à boa literatura.
Ler não é decifrar palavras. A leitura é um processo em que o leitor realiza um
trabalho ativo de construção do significado do texto, apoiando-se em diferentes
estratégias, como seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor e de tudo o
que sabe sobre a linguagem escrita e o gênero em questão. O professor não
precisa omitir, simplificar ou substituir por um sinônimo familiar as palavras que
considera difíceis, pois, se o fizer, correrá o risco de empobrecer o texto. A
leitura de histórias é uma rica fonte de aprendizagem de novos vocabulários.
Um bom texto deve admitir várias interpretações, superando-se, assim, o mito
de que ler é somente extrair informação da escrita.
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