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quinta-feira, novembro 11, 2010

A BRINCADEIRA E A CULTURA INFANTIL por Tizuko Morchida Kishimoto - Aula de 15/11.

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS
PEDAGOGIA PARFOR
INSTRUMENTAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA I
Profª Ms. Rosana Pontes


A BRINCADEIRA E A CULTURA INFANTIL
Tizuko Morchida Kishimoto


Se desejamos formar seres criativos, críticos e aptos para tomar decisões, um dos requisitos é o enriquecimento do cotidiano infantil com a inserção de contos, lendas, brinquedos e brincadeiras.
Vygotski (1988) indica a relevância de brinquedos e brincadeiras como indispensáveis para a criação da situação imaginária. Revela que o imaginár io só se desenvolve quando se dispõe de experiências que se reorganizam. A riqueza dos contos, lendas e o acervo de brincadeiras constituirão o banco de dados de imagens culturais utilizados nas situações interativas. Dispor de tais imagens é fundamental para instrumentalizar a criança para a construção do conhecimento e sua socialização. Ao brincar a criança movimenta-se em busca de parceria e na exploração de objetos; comunica-se com seus pares; expressa-se através de múltiplas linguagens; descobre regras e toma decisões.
A falta de qualidade das instituições infantis redunda na seleção inadequada de aspectos da cultura relacionados com o saber instituído da escola elementar: a escrita e os números, excluindo elementos caracterizadores da cultura do país como o carnaval, rituais do Bumba meu boi, festa de coroação dos reis, capoeira, futebol, as lendas, contos e a multiplicidade de brincadeiras oferecidas pelo folclore infantil. Nota-se, também, a falta de materiais típicos da fauna e flora brasileiras, como folhas, galhos, pedras, conchas, frutos, flores, penas. A produção de objetos não reflete a riqueza do mundo cultural e natural. Mesmo o uso da sucata industrial fica empobrecido com a falta de tratamento que ofereça identidade cultural a tais objetos. O imaginário infantil não reflete a riqueza folclórica, com suas lendas da vitória-régia, jibóia, boto cor-de-rosa, que habitam regiões da Amazônia e Mato Grosso. Acumulados por povos indígenas, negros e brancos, traços que marcam a pluralidade cultural brasileira, as lendas e contos presentes no imaginário das crianças dos tempos passados, foram excluídos dos conteúdos escolares ocasionando a separação entre a escola e a cultura (Kishimoto, 1993a). A riqueza das lendas e contos retratadas por pintores como Portinari, manifestam-se nas brincadeiras tradicionais como a mula-sem-cabeça representando o pegador nas noites escuras de Brodoski, romancistas como Rego (1969), que em Menino de Engenho, contam suas lembranças dos tempos do engenho de açúcar, em que se brincava de capabode, a brincadeira de faz-de-conta em que só brancos construíam engenhos de açúcar assumindo o papel de proprietário, em que se simulava o “Antônio Silvino”, o cangaceiro do nordeste, empunhando armas e organizando batalhões (Kishimoto, 1993a). As imagens sociais dos tempos passados perdem-se, guardados em gavetas que não foram mais abertas em virtude do novo modo de vida dos tempos atuais que impede a transmissão oral dentro de espaços públicos. Cabe à escola a tarefa de tornar disponíveis o acervo cultural dos contos, lendas, brincadeiras tradicionais que dão conteúdo à expressão imaginativa da criança, abrir o espaço para que a escola receba outros elementos da cultura que não a escolarizada para que beneficie e enriqueça o repertório imaginativo da criança. Concretizar pressupostos de Vygotski (1988, 1987, 1982), de que a cultura forma a inteligência e que a brincadeira de papéis, favorece a criação de situações
imaginár ias e reorganiza experiências vividas é, também, o caminho apontado por Bruner (1996), que abre as portas da escola para a entrada da cultura e condiciona o saber a um fazer. Aprendizado esse que começa com brincadeiras em que se aprende a criar significações, a comunicar-se com outros, a tomar decisões, decodificar regras, expressar a linguagem e socializar.
Pesquisas efetuadas em creches e pré-escolas demonstram que os materiais privilegiados pelas instituições infantis continuam sendo os gráficos e os educativos. (Kishimoto, 1996c, 1996b, Canholato, 1990, Pinnaza, 1989), referendando mais uma vez valores relacionados às atividades didáticas, predominando o modelo escolar, marginalizando a expressão, criatividade e iniciativa da criança. A cultura brasileira, na sua forma pluricultural, rica em folclore, não habita os domínios escolares. É essa seletividade a que se refere Forkin (1996), ao apontar como a educação relaciona-se com aspectos da cultura. A inversão desse modelo pode efetuar-se por um processo político de introdução dos elementos folclóricos no contexto da educação, à semelhança do Japão, que nos anos 70, ao perceber o desaparecimento das brincadeiras tradicionais, fruto da intensa industrialização e urbanização do país, introduz medidas políticas visando recuperá-las, a partir da inserção de brinquedos e brincadeiras nos currículos infantis. (Kishimoto, 1995c, 1996a).
Diante de tal situação destacam-se os trabalhos de centros de pesquisa e de estudos: o Laboratório de Brinquedos e Materiais Pedagógicos da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, desde 1993, dispõe de um banco de dados sobre brincadeiras tradicionais brasileiras para subsidiar profissionais no trabalho pedagógico, (Kishimoto, 1993b); a Fundação Carlos Chaga, de
São Paulo, realiza e divulga pesquisas sobre creches e Universidades como a de Ribeirão Preto, Santa Maria, Curitiba, entre outras, dispõem de projetos de capacitação de profissionais de creches e pré-escolas aproximando a cultura da escola com a inclusão das brincadeiras infantis. Apesar de marginalizadas, a educação infantil dispõe de centros que batalham pela expansão da educação infantil e melhoria da qualidade de formação de profissionais. Entretanto, dado as dimensões continentais do país, somente medidas políticas poderão socializar experiências restritas a centros de excelência oferecendo às crianças brasileiras o direito não só de acesso à educação infantil como o de experimentar o prazer de aprender a fazer por meio de brincadeiras.

BIBLIOGRAFIA
Bruner, Jerome. L’éducation, entrée dans la culture. Les problèmes de
l’école à lá lumière de la psychologie culturelle. Trad. Yves Bonin. Paris: Retz, 1996.
Canholato, Maria Conceição et al. Diagnóstico da pré - escola no Estado de São Paulo – 1988. São Paulo: Fundação para o desenvolvimento da Educação, 1990.
Forquin, Jean-Claude. École et culture. Le point de vue des sociologues britanniques. 2ª. Ed., Belgium: De Boeck & Lacier. 1996.
Kishimoto, Tizuko Morchida. Jogos Tradicionais Infantis. São Paulo: Vozes, 1993a.
---------------------------------- Brincadeiras Tradicionais do Brasil. v. I a
VIII. São Paulo, FAPESP/LABRIMP, 1993b.
--------------------------------- O jogo, a criança e a educação. São Paulo:
Pioneira. 1994a.
--------------------------------- Ludoteca in Brasile. Infanzia, Bologna, Itália,
n. 1, p. 51-52, set. 1994b.
---------------------------------Brinquedoteca Espaço do brincar estimula a
criatividade e a socialização. AMAE Educando, n. 250, p. 13-15, abril, 1995b.
--------------------------------A educação infantil no Japão. CADERNO
CEDES. 37: 23-44. Grandes Políticas para os pequenos. Campinas, Papirus,
1995c.
--------------------------------Jeux et jouets dans l’education des enfants au
Japon – un curriculum pour les annés 90 – comunication presenté a
l’Université Paris- Nord – cours DESS – 14 de novembro de 1996a.
---------------------------------------------- Escolarização e socialização
(brincadeira) na educação infantil. Miniconferência apresentada no IV
Simpósio Latino-Americano de Atenção à criança de 0 a 6 anos e II Simpósio
Nacional de Educação Infantil. Brasilia, Ministério de Educação, Cultura e
Desporto. 28 de novembro de 1996b.
-------------------------------Brincadeiras de faz-de-conta e a formação
profissionais. Relatór io enviado à Fundação de Amparo à Pesquisa de São
Paulo. São Paulo, 1996c.
Rêgo, José Lins do. Menino do Engenho. Introdução de Castele, José
Aderaldo: nota de Ribeiro, João. 14a. ed., Rio de janeiro: Livraria José
Olympio Editora, 1969.
Vygotski, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2.
Ed., 1988.
____________ História del desarrollo de las funciones psíquicas
superiores. Ciudad de la Habana:Editorial Científ ico Técnica, 1987.
____________ La imaginación y el arte en la infancia.
Madrid:Akal,1982.
Currículo
Professora Titular da Faculdade de Educação da USP.
Docente da Pós-Graduação e Especialização em Educação Pré-escolar.
Coordenadora do Laboratório de Brinquedos e Materiais Pedagógicos.
Livros publicados: A história da pré-escola em São Paulo, Loyola, 1988;
Jogos tradicionais infantis, Vozes, 1993; O jogo e a educação infantil,
Pioneira, 1994; Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação, Cortez, 1996.

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